Muitos pais observaram alterações nos comportamentos dos filhos, mas acham que é “coisa da idade”. É assim aí na sua casa?
De fato, alguns comportamentos são comuns em algumas idades. Por exemplo, é difícil esperar que uma criança de 2 anos tenha um super autocontrole. No entanto, nós sabemos que a presença de problemas emocionais e comportamentais nos anos iniciais da vida predizem continuidade e possível aumento de problemas no futuro, ou seja, esses comportamentos que muitas vezes nós interpretamos como “normais” podem piorar com o passar dos anos, caso não haja identificação e tratamento, resultando em diversos problemas na vida adulta.
Mas afinal, o que são “problemas” de comportamento? Os problemas de comportamento se caracterizam pela presença de comportamentos que ocorrem com frequência e/ou intensidade muito altas ou muito baixas em relação a uma norma social, ou seja, observar o grupo de crianças com a mesma idade é importante, pois nos mostra o que é esperado. Nos meninos observamos mais comportamentos externalizantes, como agressividade, oposição, enquanto nas meninas é mais comum observarmos problemas emocionais, como ansiedade e depressão. Em crianças que apesentam ambos, há maior propensão a problemas persistentes.
De alguns anos para cá tem-se observado aumento nos estudos sobre tais problemas em pré-escolares e sobre sua estabilidade ao longo do tempo, ficando claro que alguns problemas emocionais e comportamentais começam em uma idade jovem. Hoje sabemos que 13,4% das crianças de todo o mundo apresentam alterações comportamentais passíveis de diagnóstico, sendo a prevalência da ansiedade de 6,5% (isso mesmo, 6 em cada 100 crianças apresentam sintomas de ansiedade sugestivos de transtorno), transtorno depressivo de 2,6% e disruptivo (aquelas crianças que se opõem às regras, apresentam alterações nas condutas, comportamentos opositores e desafiadores) de 5,7%.
A boa notícia é que o rastreio dessas questões tem potencial de identificar a maioria das crianças que apresentarão problemas posteriores, e a identificação precoce permite que elas possam receber intervenções adequadas capazes de minimizar seus efeitos, entre eles o baixo rendimento escolar. O rastreio pode ser realizado por meio de entrevistas e questionários preenchidos pelos responsáveis ou por múltiplos informantes para atingir esse objetivo. Os pais tendem a ser bons informantes e, como passam bastante tempo com as crianças, geralmente são capazes de fornecer informações detalhadas acerca dos comportamentos que elas apresentam. Quando possível, há indicação de que se recorra a múltiplos informantes, considerando a o professor um importante aliado, uma vez que a escola é um local onde a criança passa boa parte do seu tempo e onde há grandes exigências comportamentais.
Referências
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